VIVER COM HEMOFILIA
- Eukarya
- 20 de dez. de 2021
- 4 min de leitura
Atualizado: 21 de fev. de 2022
Após a escrita do nosso artigo sobre a Hemofilia, ficámos com curiosidade de ouvir o testemunho de alguém que conviva com esta doença. Através do Instagram, encontrámos Diandra Ziele, Assistente Social que mora no Rio de Janeiro, no Brasil. Esta possui uma conta nesta rede social (@theo_miranda_ziele), onde partilha a sua experiência como mãe de um bebé de 2 anos com Hemofilia B grave. Segue-se, assim, a entrevista.
1. Qual é a doença e de que forma se relaciona consigo (o próprio, um familiar, um amigo…)?
“Eu me chamo Diandra Ziele, sou portadora de Hemofilia B. Quando uma mulher é portadora de hemofilia, pode passar para os seus filhos (de ambos os sexos) a forma da doença. Uma criança do sexo feminino carrega dois cromossomas X, em que um deles pode estar comprometido com o gene de Hemofilia e ela ser uma portadora. No caso de uma criança do sexo masculino, ela carrega um cromossoma X e um Y, sendo que o X é cedido por um dos da mãe, que não define o sexo da criança. Se esse X for o gene com Hemofilia esse menino nasce hemofílico.”
2. Quando e como descobriu?
“Eu sempre soube que sou portadora de Hemofilia porque o meu pai era hemofílico. Quando eu engravidei e quis descobrir numa sexagem fetal (ecografia) se estava gerando um bebé do sexo masculino, eu já tive medo que fosse um hemofílico e comecei o acompanhamento num Hemocentro, que são os lugares responsáveis pelo tratamento de Hemofilia no Brasil. Com 5 dias de vida o meu filho apresentou o primeiro sinal de hemofilia que foi sangramento estomacal, a gente percebeu através de um vómito de sangue. Com 2 meses recebemos um diagnóstico, através de um exame feito num Hemocentro, de que ele é um hemofílico B grave.”
3. De que forma a família lidou com essa informação?
“A informação já tinha sido muito amadurecida durante a gestação pelo facto de saber que existia uma probabilidade de 50% desse bebé ser hemofílico. Quando o diagnóstico chegou, tinha Théo 2 meses de vida, a parte mais complicada foi a aceitação de ter uma criança com a deficiência devido às limitações que essa doença lhe poderia impor. A aceitação já tinha sido muito tratada dentro da gestação e, por isso, eu fiz questão de rápido engolir o diagnóstico para poder começar o tratamento e entender melhor a causa.”
4. De que forma afetou/afeta o seu desenvolvimento?
“O desenvolvimento não é afetado de forma alguma, na verdade existem limitações como brincadeiras, jogos de impacto, exercícios de repetição, o início da escola, e nesse tipo de coisas é necessário haver um cuidado maior e a profilaxia em dia. Dentro da rotina e do crescimento houve muito cuidado com a parte do nascimento de dentes e também com o desenvolvimento do gatinhar e andar. Toda esta parte teve muitos cuidados para que não houvesse nenhum tipo de pequenos traumas, quedas...”
5. Sentiu alguma dificuldade na integração na sociedade?
“Na integração com a sociedade, até ver, não tivemos nenhum tipo de problema, até porque ele só tem 2 anos. Mas, pela evolução do tratamento, eu acredito que não haja qualquer dificuldade.”
6. De que forma, a convivência com esta doença o afetou a nível psicológico?
“A doença afeta o psicológico principalmente da mãe, porque é a pessoa que mais fica com a criança. Eu, optei por abrir mão do emprego e cuidar só da criança. Tinha medo de que as pessoas o pegassem ao colo, tive muita dificuldade para conseguir dormir no início porque eu tinha medo de um sangramento espontâneo na cabeça ou em algum órgão vital então, psicologicamente abala muito. Abala porque a dor do filho dói mais na mãe, abala porque existem muito medos, abala pela falta de conhecimento no início de tudo, abala porque o Brasil ainda tem um tratamento que não está tão avançado quanto outros países e por esse motivo, psicologicamente abala.”
7. Realiza algum tratamento?
“Sim, realiza tratamento preventivo que no Brasil é feito de forma profilática. Para a hemofilia A o tratamento é um fator recombinante sintético, feito em laboratório, e para a Hemofilia B esse fator é plasmático, ainda vem do sangue. O Brasil ainda é um país arcaico em relação ao tratamento da hemofilia B. Só se tem o fator derivado do sangue então, ele ainda não tem uma longa duração, é feito de forma semanal, entre duas a três vezes por semana a criança ou o adulto precisa de fazer essa reposição que é EV, é intravenosa, então, por esse motivo, ainda é um tratamento doloroso para crianças e muito repetitivo mas, mesmo sendo um tratamento doloroso, ele previne e impede que sangramentos ocorram e, assim, a criança passa a ser um adulto que não tem sequelas.”
8. Utiliza algo para facilitar a convivência com a doença? Se sim, o quê?
“Sim, eu utilizo o fator de coagulação, que é a profilaxia, para que sangramentos espontâneos e pequenos impactos não aconteçam. Para que ele não sofra com a questão da dor na aplicação intravenosa, a gente usa anestésico local que depois dos 2 anos de idade já é liberado. Permitimos, também, que ele tenha contacto com os acessórios: seringa, garrote, algodão, álcool para poder higienizar, e assim ele não vê o tratamento como um castigo e sim como uma brincadeira.”
9. Qual a aprendizagem mais importante que retirou da sua experiência como alguém hemofílico?
“O que a hemofilia me trouxe dentro disto tudo foi a experiência de que, independentemente da deficiência ou da patologia, é possível viver sem reclamar e sem se vitimizar. A gente tem que lutar por coisas melhores e precisa sempre passar para os nossos filhos que é possível conviver. Independentemente da limitação, tudo é possível de ser superado, então, a gente passa com bastante positividade que o tratamento faz parte da rotina e que aquilo não é um castigo. Na verdade, é um benefício ter um tratamento para que a vida dele possa ser praticamente normal.”
(Adaptado das respostas obtidas através do questionário respondido oralmente)
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